terça-feira, 21 de junho de 2011

Meu Memorial de Formação

Minha Trajetória Acadêmica


É com muita satisfação que apresento o Memorial concernente à minha trajetória acadêmica. Meu nome é Gleice Maria Soares da Rosa, nasci em 05 de agosto de 1967, no município de Angra dos Reis (RJ), mais precisamente, numa das praias da Baía de Ilha Grande, denominada Praia de Provetá.
Minha trajetória acadêmica iniciou-se ao 7 anos de idade no ano de 1974, quando comecei a freqüentar a classe de Jardim de Infância, no Colégio Estadual (CENIAB), atualmente denominado Colégio Estadual Artur Vargas (CEAV), na cidade de Angra dos Reis, RJ. Naquela época a idade mínima para o ingresso das crianças neste nível de ensino era de 6 anos. Entretanto, como o meu registro só foi efetuado um ano após o meu nascimento, minha idade real, para efeito de matrícula foi desconsiderada, acarretando um prejuízo à minha trajetória acadêmica. Tal fato causaram-me alguns constrangimentos pois algumas vezes sentia-me diferente em relação às outras crianças. Contudo, no Jardim de Infância pude experimentar os primeiros contatos com pessoas que não faziam parte de meu convívio familiar, o que me permitiu novas elaborações de comportamentos bem como o estabelecimento de vínculos afetivos com outras pessoas. Além disso, foi o meu primeiro contato com o universo da escrita e da leitura, contato este que era sempre mediado por literatura infantil e por atividades compreendidas por desenhos livres, manuseio de massinhas de modelar, recortes e colagens, e algumas atividades mecanicistas de prontidão, como por exemplo cobertura de pontilhados, entre outras. A comunicação entre a escola e os pais era feita através da caderneta de anotações. A instituição de ensino oferecia naquela época, desde o Jardim de Infância até o 2º grau. Tal instituição pública de ensino era considerada uma referência no estado do Rio de Janeiro. Minha vivência no Jardim de Infância foi marcada por momentos prazerosos de interação com meus amiguinhos e com minha professora Sandra. Foram marcadas também pelos momentos de recreação no parquinho, que era de uso exclusivo dos alunos do Jardim de Infância, e também por festas e encenações teatrais organizadas pelas professoras das duas turmas do Jardim de Infância. Recordo-me que em uma das peças, sobre a páscoa, eu interpretei a Srª coelha. Muito entusiasmada, eu vestia um colã cor de rosa, meia calça branca, calçava sapatilha cor de rosa, tinha o rostinho pintado, usava orelhinhas de papel cartão e rabinho de algodão fixado ao colã. Meu companheiro de cena, o Sr. Coelho, interpretado por um amiguinho chamado Marcelo, num dado momento esqueceu sua fala e em plena cena perguntou-me: O que é que eu falo agora Coelha? Tal ocorrência arrancou risos e aplausos por parte da platéia que era composta por familiares dos alunos e equipe pedagógica da Jardim de Infância. Chegado o fim do ano, foi realizada a formatura do Jardim de Infância. Naquela ocasião, foram tiradas as fotografias dos alunos recebendo os seus diplomas das mãos das professoras. Infelizmente, minha fotografia se perdeu com o tempo, mas eu a trago em minha lembrança como se a tivesse diante de meus olhos. “Falo um pouco dos relatos e das narrativas de forma generalizada. Pois é muito provável que a forma mais natural e mais imediata de organizar nossas experiências e nossos conhecimentos seja a forma narrativa”. (Jerome Bruner)
A recordação sobre minha fase inicial de escolarização bem como a narrativa que ofereço, causam-me a sensação de estar vivendo tudo outra vez e isso é profundamente gratificante à mim.
Chegado o ano de 1975, fui matriculada no mesmo colégio (CENIAB), na 1ª série do antigo primário e ano após ano fui passando para as séries seguintes até a 3ª série, na mesma instituição. Minha experiência até a 3ª série foi permeada por muitas atividades na cartilha, nos livros e no caderno. Tais atividades eram de treinamento e de repetição. Fazíamos muita cópia e cada erro era corrigido pelas professoras com caneta vermelha. Diariamente eram passados exercícios para casa que também eram corrigidos pelas professoras. Era bastante incomum um aluno não fazer a tarefa de casa. Algumas vezes, por insuficiência de tempo, as professoras levavam os cadernos “de casa” para corrigir após a aula. Havia muita rigidez quanto ao uso do uniforme escolar, formação de filas no pátio para o hasteamanto da bandeira e execução do hino nacional. Havia uma inspetora escolar, por nome Aglaer, que era um verdadeiro xerife na escola. Ao ouvir o nome de tal pessoa os alunos procuravam imediatamente corrigir-se para não serem repreendidos e punidos. A punição era variável conforme o comportamento apresentado. Se o “deleito” fosse considerado leve, o aluno era levado à diretoria onde levava uma bronca. Se ao contrário, o “delito” fosse considerado moderado ou grave, os pais eram acionados pela escola e o aluno suspenso ou até mesmo expulso da instituição de ensino. Lembro-me de um colega que certa vez foi parar na diretoria por estar incomodando uma colega. Quase ao final do turno retornou, dizendo que a diretora, Srª Sônia, era boazinha, mas que a inspetora, a tal Aglaer, era muito má. Dentre as Três professoras que tive nos três primeiros anos do antigo primário, recordo-me apenas do nome da professora da 1ª série que se chamava Gilda e era tratada pelos alunos como Tia Gilda. Bastante enérgica, ela possuía um status de excelente docente perante a comunidade. Recordo-me ainda que eu segurava o lápis de um jeito incomum e que tal fato era sempre pontuado pela Tia Gilda como uma desqualificação que precisava ser revertida. Para atender a solicitação da professora quanto a este fato, minha mãe que mal sabia ler e escrever, deu à minha irmã mais velha a árdua e impossível tarefa me “moldar”. Digo que foi uma tarefa árdua e impossível pelo fato de que, apesar das muitas tentativas, até hoje meu manuseio do lápis e da caneta não se modificou. Hoje sei que esta é uma característica que me é peculiar e que a mesma não representa nenhum problema quanto ao aprendizado, porém naquela época era bastante conflituoso pra mim lidar com tal situação.
Findos os três primeiros anos do antigo primário, minha família mudou sua residência para uma vila que ficava num bairro elitizado porém distante do centro da cidade, onde localizava-se o colégio no qual até então eu e minhas três irmãs havíamos estudado. No novo bairro havia uma escola também estadual que recebia da empresa responsável pela vila (Petrobrás), recursos financeiros que proporcionavam à instituição uma qualidade superior quanto ao oferecimento de ensino. Tal instituição denominada Colégio Estadual Leopoldo Américo Miquez de Mello (CELAM), possuía como clientela em sua maioria, os filhos de funcionários da empresa Petrobrás. Minha matrícula nesta instituição foi feita no ano de 1978 na 4ª série do antigo primário. Minha professora chamava-se Lucinéia e minha primeira constatação a respeito dessa nova realidade foi o fato de que ali as professoras não era chamados por Tia e sim por Dona. Foi muito difícil acostumar-me à isto e vez por outra quando eu a chamava de Tia Lucinéia, ela me corrigia imediatamente, o que me causava um certo constrangimento. Além disso a professora tinha uma implicância comigo e com outra aluna (Nívea) por possuirmos cabelos longos, o que despertava nela a sensação de risco quanto ao aparecimento de piolhos em sua classe. Constantemente ela recomendava em tom ríspido que cortássemos o cabelo. Por sentir-me discriminada pela professora, insisti muito até que minha mãe cortou meu cabelo na altura do ombro. Recordo-me do dia em que cheguei na sala de aula, com o cabelo cortado e da reação indiferente da professora. Hoje eu sei que o meu cabelo longo era só um pretexto para aquela despreparada e pouco humana professora demonstrar o quanto a minha presença em sua classe não era bem-vinda. Não sei exatamente o que a fazia pensar assim. Talvez o fato de que o meu pai fizesse parte na empresa (Petrobrás), de um grupo de funcionários menos gabaritado, ao contrário da maioria de seus alunos que eram filhos de profissionais de cargos elevados.
Quanto aos colegas de classe, o relacionamento não era muito diferente pois haviam na classe muitas crianças convencidas de que possuíam superioridade em relação aos demais. Eram comuns as brincadeiras de mau gosto contra os alunos que moravam na periferia da vila mas que estudavam na escola. Lembro-me especialmente de uma menina que sempre brigava na saída da escola pelo fato de não aguentar as provocações. A direção da escola preferia fazer vista grossa, e não interferia no que hoje conhecemos por Bullyng.
A organização da escola era impecável, não faltando nada desde o material didático até os produtos de limpeza e higiene. A manutenção do prédio era feita periodicamente e constantemente eram apresentados na escola, projetos, feiras e festivais de cultura. Mesmo com tanta qualidade, tal escola não foi pra mim um ambiente de construção e ampliação de conhecimentos pois naquele ano enfrentei inúmeras dificuldades de aprendizagem, coisa que até então eu jamais havia experimentado. “É experiência aquilo que nos passa, ou nos toca, ou que nos acontece, e ao passarmos nos forma e nos transforma...Esse é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao largo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece... Por isso ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria”. (Jorge Larrosa)
A concepção de ensino ainda era a tradicional conteudista. Ao findar aquele ano aproveitei o pedido feito por minhas irmãs mais velhas à nossa mãe, de retornarem à antiga escola no ano seguinte e incluí-me também. Houve uma resistência por parte de nossa mãe que só concordou após saber que haveria um ônibus da empresa que levaria e buscaria os filhos dos funcionários que desejassem estudar no centro da cidade, já que uma boa parte deles passariam a freqüentar instituições particulares de ensino.
Chegado o ano de 1979, retornei à minha antiga escola (CEAV), onde iniciei o nível de ensino denominado na época de ginásio, que corresponde atualmente ao segundo seguimento do Ensino Fundamental. Fui matriculada numa turma da 5ª série e foi um choque bastante significativo pra mim, conviver pela primeira vez em minha trajetória acadêmica com tantos professores num mesmo ano. O desequilíbrio provocado por tal fato me trouxe como conseqüências, inúmeras dificuldades de aprendizagem, nas disciplinas exatas, especialmente em matemática. Minha turma era bastante desinteressada e desordeira. Naquela época, no ginásio já não havia rigidez alguma quanto ao controle dos comportamentos dos alunos. Haviam muitos alunos que freqüentemente pronunciavam palavrões em sala de aula, o que me causava um imenso desprazer em freqüentar a escola. O relacionamento dos professores com os alunos era frio e distante, o que me afetava demasiadamente. Apesar de ter sido promovida à série seguinte ao fim do ano letivo, carreguei para a série posterior muitos déficits de aprendizado, fato este que me prejudicou significativamente nos anos seguintes. Na 7ª série tive uma experiência traumática numa aula de matemática quando um professor de nome Tarcísio me fez passar o maior dos constrangimentos. Tudo aconteceu quando apresentei minha dúvida ao professor após a explicação que o mesmo havia dado sobre um conteúdo novo. Após ouvir minha dúvida, o professor caminhou em direção à porta, apoiou um de seus braços no portal e chamando a atenção da turma para si, fez uma consideração depreciativa quanto ao QI da autora da dúvida. A autora da dúvida era eu e daquele momento em diante eu não mais apresentava minhas dúvidas, procurando solucioná-las com meus colegas e também na aula particular que freqüentava quando a situação ficava muito complicada. Naquele ano eu passei por uma cirurgia no mês de outubro, o que me afastou da escola por mais de um mês. Ao retornar, em meados de novembro, era já o período das provas finais e por ter perdido muitos conteúdos, acabei ficando de recuperação em matemática. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que fui fazer a prova de recuperação. O nervosismo era grande e após o término, o professor Tarcísio pediu-me que aguardasse um instante que ele já me daria o resultado. Eu precisava de 5,0 e tirei 4,9. O professor olhou-me e com toda “segurança” disse-me que poderia dar-me um décimo mas como sabia que eu não tinha base para encarar a 8ª série, ele preferia me reprovar. Foi este o meu único ano de repetência. Fiquei apavorada pois sabia que no ano seguinte o Tarcísio seria meu professor novamente mas para minha agradável surpresa, fui colocada na única turma da 7ª série que teria um outro professor.Ele se chamava Eliezér e era uma pessoa amável e preocupada com seus alunos. Naquele ano não tive dificuldade alguma em matemática e por muitas vezes me responsabilizava por não ter aprendido aos conteúdos no ano anterior. Somente após ter adquirido maturidade, pude ter clareza para perceber que eu não fui culpada e sim vítima.
“ Qual! não posso interromper o memorial; aqui me tenho outra vez com a pena na mão. Em verdade, dá certo gosto deitar no papel coisas que querem sair da cabeça, por via da memória ou da reflexão”(Machado de Assis).
No ano seguinte (8ª série), tive a infelicidade de novamente experimentar muitas dificuldades em matemática. Creio não ser preciso nenhum esforço para deduzir quem foi meu professor nesse ano. Mais uma vez fiquei na zona de perigo porém tive um pouco de sorte e passei para o 2º grau, Atual Nível Médio.
O 2º grau pra mim chegou junto com uma nova fase em minha vida pois eu havia me casado. Educada para ser uma esposa responsável e eficiente, me senti desestimulada quanto aos estudos e assim abandonei a escola logo após o início do ano letivo. Foram três anos afastada da escola sem que me desse conta do quanto isso me era prejudicial. Somente após o nascimento de meu primeiro filho (3 anos após o casamento), é que eu fui começar a perceber o quanto eu estava equivocada quanto a escolha que fiz de abandonar os estudos.
Prometi à mim mesma que o retomaria tão logo fosse possível. Mais quatro anos se passaram e quando eu me sentia em condições de retornar à escola, me descobri grávida outra vez. Tal fato me fez adiar por mais dois anos o meu retorno à escola mas quando finalmente retornei decidi fazer o curso de Formação de Professores que funcionava à noite em um instituição particular chamada Centro Educacional Dinâmico. Minha escolha de estudar a noite foi uma estratégia para conciliar os estudos com os afazeres domésticos e o cuidado aos filhos. Terminei o 1º ano, entretanto a jornada não foi fácil e acrescentado à isso, a dificuldade financeira para custear o ensino particular, me fez desistir de continuar no ano seguinte. Mais dez anos se passaram até que retomei minha trajetória acadêmica e após dois anos concluí o Nível Médio de Ensino, antigo 2º grau fazendo formação Geral na Escola Estadual Nazira Salomão. Este retorno me fez conhecer uma realidade completamente nova pois a escola agora apresentava-se como um lugar de interação no qual os alunos possuíam voz. Os professores se colocavam como parceiros dos alunos e não como superiores aos mesmos. Contudo, os alunos pareciam não valorizar a escola pois mostravam-se indiferentes e desestimulados. Tive excelentes professores, inclusive nas disciplinas exatas. Foi muito gratificante esta etapa de minha trajetória acadêmica pois havia sentido nas aprendizagens. Percebi a transformação positiva no que diz respeito à concepção de ensino pela qual a educação havia passado.
Terminado o Nível Médio, esperei mais três anos pela oportunidade de fazer o vestibular. Eu não sabia ao certo o que iria fazer mas tinha certeza que faria algo pois um grande desejo de avançar se movia em mim. No segundo semestre do ano de 2008 fiz o vestibular para o curso de graduação à distância em Pedagogia pelo CEDERJ , único curso na instituição que se adequava ao meu perfil. Fui aprovada e o primeiro dia de aula foi exatamente o dia em que completei 41 anos de idade. Foi um presente valioso e desde então tenho aprendido muito com meu tutores, com meus colegas de curso e também, através das leituras sobre todo o arcabouço teórico do curso. Além disso, as práticas, como os seminários, os estágios, as palestras, as visitas docentes, e os cursos de extensão (extra-curriculares), que são também necessários e úteis à formação docente, muito tem contribuído para o meu crescimento intelectual e humano. Minha vivência na instituição, ensinou-me uma coisa em especial que intuitivamente eu até desconfiava: Dentre as muitas expectativas dos alunos em relação à escola, a mais importante delas é a de serem percebidos, amados e valorizados indiscriminadamente. Com a Pedagogia tenho aprendido que a educação só cumpre o seu papel à medida em que prepara os sujeitos para a devida atuação dos mesmos na sociedade. Tal preparação só se efetiva quando os sujeitos são vistos pela escola como quem tem contribuições à oferecer. Posso dizer que estar numa Instituição de Ensino Superior pra mim é uma conquista extremamente importante, que procuro valorizar ao máximo, dedicando o meu tempo e o melhor de mim. Amo o que faço e espero brevemente poder contribuir para que a educação de nossas crianças e de nossos jovens e adultos seja uma educação que venha a proporcionar aos mesmos as condições necessárias para que eles possam promover outras e novas transformações na escola e na sociedade.
Devo concluir meu relato dizendo que apesar das dificuldades e das descontinuidades relacionadas à minha trajetória acadêmica, a representatividade da mesmapara a minha vida é algo impossível de ser omitido mas digno de ser pontuado.



BIBLIOGRAFIA


ASSIS, Machado. Memorial de Aires Obra completa. Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1965, pp. 1 095-1 200, v. I.

BRUNER, Jerome. A cultura da educação. Porto Alegre. Artmed Edtora, 2001.

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 3ª ed. Tradução de Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte; Autêntica, 2000.

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